É de suma importância que todo profissional que depende de publicações científicas para atualizar-se entenda pelo menos um pouco de bioestatística, epidemiologia, metodologia da pesquisa científica como um todo.
Infelizmente na prática, não é o que acontece.
Recentemente, vi uma excelente profissional citar um estudo de coorte transversal para tirar uma conclusão, e ainda salientou “ele tem 30 anos!”, um erro crasso, que no meio acadêmico é completamente inadmissível.
Estudos de associação e correlação são excelentes para levantar hipóteses, mas de maneira alguma podem estabelecer causa-efeito, qualquer um que entenda o MÍNIMO de metodologia sabe disso, trata-se do básico.
Mas como é um erro comum, já que os cursos de graduação são absurdamente falhos nesse quesito e nem todo profissional tem apego ao estudo, há a necessidade de esclarecer os diferentes tipos de estudos ao público leigo.
É importante deixar completamente claro, que cometer um erro de metodologia e interpretação de texto DE MANEIRA ALGUMA quer dizer que o profissional é ruim ou incompetente.
Quer dizer apenas que ele não domina aquela área, e que não está apto a escrever ou opinar AQUELE assunto. Mas não o desqualifica para seu trabalho diário ou suas funções! Ninguém chega aonde está senão por mérito! Cada louro é conquistado por suor e trabalho e deve ser aplaudido!
Vamos então entender de forma breve e simplificada a diferença entre os tipos de estudos.
Como vocês sabem, hoje em dia, na internet, todo mundo manja muito de ciência! Discutem periódicos e até pedem referências científicas quando veem algo de que desconfiam! Isso é ótimo! Mas, será que quem faz isso, sabe mesmo o que é uma referência científica válida? ?
Para quem está no meio acadêmico isso já pode ser confuso, para quem nunca esteve nem perto dele, pode ser uma bagunça só!
Então vamos entender isso.
Existem vários tipos de evidências científicas, umas com um peso maior, outras menor. Nem tudo que está na literatura científica é regra e deve ser levado ao pé da letra, principalmente porque a pressão para publicar e fazer citações é tão grande, que muito do que é produzido, é simplesmente lixo (sim, triste, mas verdade).
Então vamos entender os sete tipos de referências científicas na ordem de importância (da de menor peso, para a de maior peso), assim você poderá entender o por que “apresentar uma referência” pode não significar NADA!
As referências científicas de menor peso são: ESTUDOS IN VITRO e a OPINIÃO DE ESPECIALISTA, no primeiro, você pode observar uma experiência fora de um organismo vivo, é possível ver processos bioquímicos em um “pratinho de vidro”! O que pode ser muito útil para, por exemplo, testes com medicações antes que estas sejam testadas em animais e posteriormente em humanos, mas de forma alguma o resultado de um destes estudos, pode ser extrapolado para a realidade sem antes percorrer este “caminho”!
Já a Opinião de um Especialista é quando um profissional (com título acadêmico) diz o que ELE(A) acha de um certo assunto, sem necessariamente referenciar suas conclusões.
É por causa disso que você ouve afirmações começadas com “mas o Dr. Fulano disse…”, ou “Mas a nutri tal falou…”, “mas ele tem doutorado”, ou ainda “mas ela é mestre em tal coisa”.
O especialista pode ter o maior currículo acadêmico do mundo, mas sua opinião ainda é nível BAIXÍSSIMO de evidência científica e não deve ser aceita como verdade absoluta!
Logo em seguida vêm os RELATOS DE CASO que são basicamente “estórias” de um certo evento, narrados sob o ponto de vista do autor. Por exemplo: “Fulano deu entrada no hospital com parada cardíaca após anos ingerindo gordura saturada”.
Este caso, não prova se o que fez o fulano ter parada cardíaca FOI a ingestão de gordura e nem o quanto, como, quando ele ingeriu isso! Não tem controle de variáveis e é extremamente suscetível ao crivo de quem escreve! Não há como saber se este fulano do exemplo, também fumava e não contou ao médico, ou se estava num momento de extremo esforço e não contou ao entrevistador, se tem história de evento cardíaco na família, ou mesmo não tem como definir se a ingestão de anos de algo foi “grande” ou “pequena”! Afinal, todas as informações de um relato de caso dependem muito do que o paciente e o médico falam, relembram e supõem! Pode ter exames? Pode ter comprovação do que se afirma? PODE! Mas aquilo está restrito àquele caso! SÓ! Não pode ser extrapolado para uma população!
Por isso o nível de validade desta referência científica é baixo!
Depois disso, vêm os experimentos em modelos animais! São aqueles feitos principalmente em roedores.
O falecido Dr. Folkmann, GIGANTE pesquisador de câncer e angiogênese uma vez disse: “Se você for um camundongo e tiver câncer, posso curá-lo!”
Com o perdão da piada, isso é genial!
O que ele quis dizer e que muitos deveriam saber é que apesar de termos os mecanismos fisiológicos muito parecidos com o de certos animais, isso não significa que o que vale neles, valerá para nós!
Quando um estudo avalia, por exemplo, a ingestão de gordura em roedores, que são adaptados a comer GRÃOS, é comum que se dê aos ratos gordura e se encontre problemas! CLARO! Eles são roedores! Foram feitos para roer grãos! Não são carnívoros, não comem carnes e gorduras a milhões de anos!
É óbvio que quando os colocamos em uma dieta com óleos e gorduras, isso terá desfecho desfavorável! Um ratinho ingerir gordura sintética em um experimento, NÃO É A MESMA COISA que você ingerir gordura natural de ovos, manteiga e carne de bichos criados soltos! Você, como raça humana, se alimenta disso há milhões de anos!
Por isso e por tantos outros pontos, experimentos em animais NÃO DEVEM TER SEUS RESULTADOS EXTRAPOLADOS PARA HUMANOS.
Eles levantam boas hipóteses, para serem testadas em humanos posteriormente!
No entanto se algo já se demonstrou ser bom em humanos, é inútil tentar provar o contrário utilizando animais!
Aí vem, na hierarquia das evidências científicas, os Estudos de Caso Controle!
São estudos observacionais epidemiológicos! É quando um pesquisador pega um grupo de pessoas com uma doença e compara com outro grupo de pessoas SEM a tal doença.
Este modelo de estudo parte do desfecho para levantar a HIPÓTESE da causa, ou seja, ele NÃO PODE ESTABELECER CAUSA E EFEITO, pode apenas levantar uma questão que deverá ser analisada, posteriormente, em um EXPERIMENTO.
Quer ver como funciona?
Dr Souto dá um exemplo muito bom disso: o fato de que no verão aumenta-se o número de ataques de tubarão em uma praia enquanto, ao mesmo tempo, aumentam-se as vendas de sorvete nesta mesma praia, não significa que tomar sorvete cause ataques de tubarão, quer dizer apenas que são dois fatos relacionados que tem como “fator comum” o verão (verão = + gente na praia = + ataques de tubarão)!
O maior exemplo deste tipo de erro é em estudos (observacionais) que apontam gordura saturada como algo relacionado à eventos cardíacos.
O fato de analisar uma grande população e ver que quem diz comer mais gordura também é quem tem mais infartos não quer dizer que a gordura CAUSOU o infarto, só quer dizer que quem não obedece à restrição de gordura vigente nas diretrizes nutricionais e come gordura (e por isso, por não “se preocupar muito com diretrizes”, possivelmente TAMBÉM fuma, TAMBÉM não pratica exercícios físicos, TAMBÉM come excesso de farináceos, doces e TAMBÉM bebe) acaba também apresentando estes eventos cardíacos!
Então como comprovar uma teoria levantada em um estudo epidemiológico observacional?
Estamos partindo agora para os níveis altos de evidência científica, vamos para o próximo: Estudos de Coorte.
Neste modelo existe o acompanhamento (através de exames, questionários) de uma população que será analisada por anos (no caso de um prospectivo) ou terá anos anteriores analisados (no caso de um retrospectivo) a fim de identificar fatores de risco.
É possível ver o risco absoluto e o risco relativo de um evento e estudar o modo como a presença de certo comportamento influencia o aparecimento de determinada doença (sempre considerando os fatores de risco)!
Quer um exemplo?
Conseguimos ver que pessoas que fumam por longos anos, desenvolvem câncer de pulmão com maior frequência do que quem não fuma, é possível analisar inclusive quais as chances (o risco) de desenvolver este câncer, caso o sujeito fume!
O triste é que muitas empresas (principalmente da indústria farmacêutica) manipulam estudos assim, utilizando o risco relativo para justificar a prescrição de uma droga!
Entenda assim: quando você sai à rua, há UMA chance de ser atropelado. Se você sair duas vezes por dia, DOBRAM suas chances de ser atropelado (risco relativo).
Acontece que se analisarmos quantas pessoas saem às ruas todos os dias versus quantas são atropeladas, veremos que o risco (absoluto) disso acontecer é realmente baixo.
Então posso dizer numa manchete de jornal: “sair à rua duas vezes ao dia, dobra as chances de morte por atropelamento”, mas isso não seria real ou honesto, porque não necessariamente dobrar o risco, significa dobrar o número de pessoas atropeladas.
Embora “dobrem-se” as chances de você ser atropelado o RISCO ABSOLUTO disso acontecer é pequeno.
Ninguém deixaria de sair à rua por isso, não é mesmo?
Por isso, analisar qual destes riscos foi considerado na hora de publicar os dados de um estudo científico é MUITO importante!
E daí chegamos no ALTO nível de evidência científica: os Ensaios Clínicos Randomizados!
Estes sim devem ser levados em conta para comprovar uma teoria, do tipo: “gordura saturada NÃO é uma vilã”, “reduzir a gordura da dieta NÃO traz benefícios”, ou “Low Carb é uma abordagem eficiente no tratamento de obesidade, esteatose, diabetes e síndrome metabólica”.
Neste modelo, um grande número de pessoas é sorteada (randomizada) para dois ou mais grupos e um destes grupos sofrerá uma intervenção, um experimento (uma dieta, um tipo de treinamento, ou o uso de uma medicação) e o outro grupo servirá de controle (não fará a intervenção).
Este tipo de estudo pode SIM sugerir CAUSA E EFEITO, e não associação, como no caso dos outros modelos citados nos posts anteriores.
Acima destes estão o “santo-graal da evidência científica”:
Revisões Sistemáticas de Ensaios Clínicos Randomizados e as meta-análises!
E precisamos delas porque, por mais que um experimento chegue a um resultado, aquilo pode ser real APENAS naquela população estudada!
Mas uma revisão sistemática reúne 10, 20, 200, 300 (ou quantos forem) experimentos destes (ensaios clínicos) e analisa os dados chegando à uma conclusão!
São estudos como este que mostram, por exemplo, que uma alimentação LOW CARB tem função cardioprotetora, ou seja: NÃO “entope veias”, NÃO causa “risco cardiovascular” e NÃO é algo “doido”, “para ganhar dinheiro”, “modismo”, ou “charlatanismo”!
Então da próxima vez que você encontrar um texto ou um profissional citando referências científicas, entenda que isso POUCO significa!
O mais importante é o TIPO desta referência! E mesmo assim não estamos salvos… Mas isso é um assunto para um outro dia!
Depois de ler estes posts todos, recomento que acesse o blog do Dr. Souto sobre esse assunto, basta clicar aqui (www.lowcarb-paleo.com.br/2013/09/o-mais-alto-nivel-de-evidencia.html)